O balanço dos poderes: a nova Guerra Fria
Shearlaw
A melhor forma de descrever a Guerra Fria é como um estado permanente de tensão militar e ideológica que abalou o mundo por meio século – resíduo radioativo duradouro da Segunda Guerra Mundial, que assistiu ao Bloco do Leste, apoiado pelos soviéticos, disputar poder com seus correspondentes ocidentais, controlados pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido.
Os dois lados tinham arsenal nuclear e, durante 13 dias em 1962, parecia que o mundo estava a caminho do Armagedom. O governo cubano havia pedido mísseis nucleares à aliada comunista Rússia.
Os EUA, determinados a não permitir a entrada de armas soviéticas em seu quintal, a princípio ameaçou entrar em guerra com Cuba, e depois prometeu afundar os navios que estivessem transportando o armamento.
O mundo assistiu boquiaberto aos navios zarparem para a ilha no Caribe, até um telefonema ser feito em Moscou à 11ª hora solicitando o retorno das embarcações. Chegou-se a um acordo e os EUA prometeram jamais invadir Cuba. A arriscada estratégia nuclear saía do ponto alto de tensão.
Mas as armas nucleares não eram as únicas na jogada – veio a público a informação de que os soviéticos estavam explorando o potencial da varíola como arma biológica; os cosmonautas também eram colocados contra os astronautas em uma corrida espacial global que servia de discurso de defesa patriótica dos dois lados. E além disso, havia a espionagem – onde a batalha era mais acirrada.
Quem protegia o Oriente era a KGB – a chamada “espada e escudo” da União Soviética – contra as agências de inteligência dos EUA (a CIA) e o Serviço Secreto de Inteligência britânico (SIS), entre outros.
Os espiões agiam na sombra, utilizando todos os meios possíveis para bisbilhotar o inimigo. Alguns agentes eram duplos, até triplos. As pessoas podiam desaparecer com um estalar de dedos. Ninguém confiava em ninguém e as fronteiras dessa guerra iam de Cuba à península coreana, dividindo países e cidades ao meio.
Em 13 de agosto de 1961, os moradores na região oeste da capital alemã, Berlim, foram dormir como sempre e acordaram com um muro – as autoridades alemãs orientais queriam impedir que seus cidadãos desertassem aos montes para a parte ocidental capitalista. O posto militar conhecido como Checkpoint Charlie se tornaria o exemplo físico mais famoso da Cortina de Ferro e seria um ponto de tensão nas três décadas seguintes.
2015
Hoje, passaram-se 26 anos desde a queda do Muro de Berlim e o relacionamento entre a Rússia e o Ocidente desabou para níveis de hostilidade iguais aos da era da Guerra Fria.
Cada lado acusa o outro de ter um comportamento agressivo. Enquanto a Rússia acredita que a arrogância dos Estados Unidos e de seus aliados é responsável pela agitação na Síria e no Oriente Médio, o Ocidente culpa Moscou por agir com impunidade no leste da Ucrânia.
Apenas um dia após o encontro entre Obama e Putin na Assembleia Geral da ONU em setembro, a Rússia lançou uma série de ataques aéreos na Síria. O Kremlin alega que o alvo eram soldados do Estado Islâmico, mas os EUA já manifestaram o temor de que, na verdade, a mira estava em opositores do presidente sírio Bashar al-Assad.
Os motivos de Putin deixam muitas perguntas sem resposta. Estaria o presidente russo desviando a atenção do leste da Ucrânia? Estaria tentando tirar a Rússia do isolamento, forjando uma parceria global para salvar a Síria? E onde fica o Irã nisso, sendo mais uma potência nuclear que apoia Assad?
Até pouco tempo atrás, o grosso da política internacional do Kremlin focava no fortalecimento de laços com territórios pró-Rússia, enquanto, segundo a mídia estatal, o presidente Vladimir Putin atinge um status quase de semideus, com índices de aprovação aparentemente exorbitantes.
Enquanto isso, o hacker e ex-funcionário da NSA Edward Snowden, 32 anos, continua em um estado de limbo perpétuo em Moscou. O norte-americano foi acusado de espionagem da mais alta gravidade pelo governo de seu país e se recusa a voltar para casa, tendo conseguido asilo na Rússia.
A informação é o novo campo de batalha que domina o mundo, e hackers da China ao Reino Unido são os novos espiões. As agências de inteligência dos EUA foram expostas por Snowden pela vigilância generalizada que fazem de seus cidadãos nos momentos mais íntimos, enquanto os chamados cyber “hacktivistas” do Anonymous International fizeram de tudo para atacar – e constranger – o governo russo.
Será que essa é a cara da Guerra Fria 2.0? E o que pode acontecer daqui para frente?
Uma nova Cortina de Ferro?
Durante a Guerra Fria, a Cortina de Ferro separava a Europa da União Soviética, tendo seu ápice na Alemanha. Hoje, segundo a Al Jazeera, uma nova Cortina de Ferro foi erguida, e a Rússia tenta cooptar facções simpatizantes na Moldávia, Geórgia e Ucrânia. As fronteiras estão menos rígidas, mas não menos problemáticas.
A oeste da Rússia ficam os Estados bálticos – Estônia, Letônia e Lituânia –, três países sem disposição de levar a pecha de “pós-soviéticos” e que juraram lealdade à UE. A Estônia é lar da base mais oriental da aliança militar ocidental – o Tratado do Atlântico Norte (Otan) – e tem conseguido manter relativa paz na fronteira com a Rússia até agora.
Os dois lados estão fortalecendo seus exércitos e as tensões seguem aumentando. Relatórios russos alertam que os EUA estão se preparando para uma “guerra híbrida”, investindo em uma “força de ataque” de 4 mil soldados para proteger a região.
Enquanto isso, a Rússia voltou atenção para Kaliningrado, enclave russo entre a Lituânia e a Polônia. É a “carta na manga” do país, segundo a Radio Free Europe, que alega que só o número de tropas e armas – inclusive mísseis nucleares – torna a área a mais militarizada da Europa.
Os Estados bálticos estão preocupados. Seria uma invasão russa iminente? Todos pediram a presença da Otan em seu solo. A Lituânia voltou a exigir o alistamento militar obrigatório e publicou um dossiê de 98 páginas com conselhos aos seus cidadãos sobre “como agir na circunstância extrema de uma guerra”.
Na Estônia, onde a população de etnia russa forma um quarto da população, acontecimentos recentes remontam à Guerra Fria 1.0. Em setembro do ano passado, um soldado estoniano foi sequestrado na fronteira russa sob uma névoa de fumaça de granada e sinais telefônicos cortados. A recente troca de dois espiões condenados em uma ponte remota no limite entre os dois países cimenta ainda mais a nostalgia.
Estônia se declarasse “pronta para a guerra” após família ser mutilada por fogo amigo russo
Janeiro 2016
O governo da Estônia tomou a atitude sem precedentes de declarar oficialmente que o país está pronto para a guerra depois que uma família foi ferida por fogo amigo em um ataque russo perto da fronteira. Duas pessoas ainda estão em estado grave.
O presidente russo, Vladimir Putin, fez um pedido formal de desculpas, mas a ação foi descrita como um ato de “agressão injustificada” pelo dignitário estoniano, Toomas Hendrik Ilves.
O país se tornou a clivagem entre as potências da Otan e da Rússia, pois os dois lados fizeram investimentos pesados na presença militar na região nos últimos dois anos.
A família de cinco pessoas, que ainda não tiveram os nomes divulgados, estava fazendo piquenique perto de uma igreja na fronteira quando foi atacada a tiros de metralhadora.
A decisão de se colocar “pronta para a guerra” tem o apoio total da União Europeia.
As vizinhas Lituânia e Letônia também expressaram apoio à Estônia, mas ainda não informaram se seguirão o exemplo. Os três países solicitaram o aumento da presença da Otan depois da anexação da Crimeia pela Rússia, em 2013.
A expansão nuclear “implacável” do Ocidente
Não se pode colocar toda a culpa sobre a Rússia. “A Guerra Fria 2.0 é uma criação do Ocidente”, argumenta o Russia Insider, apontando a expansão implacável do programa militar em direção ao Oriente.
O programa nuclear intrusivo da Otan agora inclui não só os Estados bálticos, mas também países como a Romênia, a Bulgária e a Eslovênia, todos “consideravelmente mais que um centímetro a leste da Alemanha”, alega o veículo.
Desde os anos 1990 até pouco tempo atrás, a Rússia deixara a postura de “preparo para a guerra” enquanto se reconstruía das cinzas da URSS. Mas como as potências ocidentais seguem incessantes com treinamentos de “prontidão para a guerra”, Putin, conclui o artigo, não teve outra escolha senão reagir.
Guerra Fria 1.0 em 2015?
No extremo oriental da Rússia, um tipo muito diferente de tensão se desenvolvia com os preparativos, na perseverante comunista Coreia do Norte, para o 70º aniversário do Partido dos Trabalhadores da Coreia, no dia 10 de outubro.
A tensão diplomática com a Coreia do Sul está na corda bamba: a vizinha do norte, famosa pela retórica beligerante, ameaça com ataques nucleares “a qualquer momento” e milhares de seus cidadãos passam fome demais para pensar em qualquer outra coisa que não a sobrevivência básica.
No final de setembro, a CNN teve acesso ao “programa espacial” norte-coreano. Os oficiais insistiram que as intenções são pacíficas, mas observadores internacionais temem que a tecnologia desenvolvida possa ser capaz de lançar ogivas nucleares para qualquer lugar do planeta.
Em março, o pária do mundo anunciou que 2015 seria o “ano da amizade” com a Rússia. Duas nações que têm pisado no calo do Ocidente: a Coreia do Norte com armas nucleares, a Rússia com a Ucrânia.
A Coreia do Norte reivindicasse apoio russo ao conduzir o quarto teste nuclear
em novembro de 2015
O 70° aniversário do Partido dos Trabalhadores da Coreia era esperado para o dia 10 de outubro, mas na verdade aconteceu um mês e cinco dias mais tarde.
Depois da presunção de setembro não se concretizar, a Coreia do Norte lançou seu quarto teste nuclear, em uma retaliação direta à provocação dos EUA e da vizinha ao sul.
A mídia estatal KCNA noticiou um teste “bem-sucedido” que mostraria às “marionetes” dos EUA e seus aliados que o país é uma força formidável. Os países acabaram de apoiar uma moção no Conselho de Segurança da ONU para avaliar melhor o histórico norte-coreano na questão dos direitos humanos.
A Coreia do Norte alegou ter o apoio direto dos “amigos” da Rússia. A KCNA já havia noticiado em outra ocasião que as duas nações estão “avançando de forma enérgica em muitos campos... incluindo na política, na economia, na cultura, na educação, nas artes e nos esportes”.
O Kremlin não comentou as afirmações, mas já havia condenado anteriormente a imprudência nuclear norte-coreana. O Estado comunista rompeu com o pacto global de não agressão por armas nucleares em 2003.
Observadores internacionais ficaram aliviados após as comemorações de aniversário, quando milhares de cidadãos celebraram nas ruas da capital norte-coreana, Pyongyang.
Revoltas violentas na Ucrânia
Um ano antes do anúncio da ‘amizade efusiva’ da Coreia do Norte, a Ucrânia estava sendo assolada. O presidente Viktor Yanukovych, apoiado pela Rússia, foi deposto por uma revolta popular após se recusar a trabalhar em conjunto com a Europa. O cargo foi então ocupado por Petro Poroshenko, considerado por facções pró-Rússia um pau-mandado do Ocidente.
Em março, a Rússia intensificou a tensão ao anexar à força a Crimeia, península de veraneio do Mar Negro que antes pertencia à Ucrânia. O Ocidente entendeu a ação como um movimento agressivo e expansionista. Para Putin, foi o triunfo de um “incrível patriotismo”, reunindo os crimeanos com sua pátria espiritual – em um referendo repentino, 95.5% da população votou por acompanhar o novo líder.
O conflito em seguida irromperia no leste da Ucrânia. Rebeldes pró-Rússia entraram em choque com o próprio governo pelo controle da região e, com a intensificação da violência, aumentou o número de mortos.
Tiros para o alto
Em junho, 283 passageiros e 15 funcionários de um voo entre Amsterdam e Kuala Lumpur se tornariam trágicas vítimas do conflito. A aeronave foi atingida no céu quando sobrevoava o povoado de Grabovo, no leste da Ucrânia.
Os corpos, alguns ainda presos ao cinto de segurança do avião, ficaram espalhados pelo local do incidente. Bichos de pelúcia, guias turísticos e álbuns de fotos choveram sobre os moradores, e os campos de girassóis ficaram impregnados do cheiro da morte.
Quando as cenas da tragédia inundaram o noticiário internacional, a suspeita logo recaiu sobre um míssil antiaéreo lançado por separatistas ucranianos –supostamente uma oferta do exército russo. Em questão de horas, os Estados Unidos avisaram que seria “um problema muito sério” se a informação fosse verdadeira.
E então surgiu um analista britânico autodidata que começou postando filmagens da guerra síria no YouTube. O investigador, sob o codinome Bellingcat, foi um dos especialistas que recorreu a imagens das redes sociais para tentar definir o que tinha acontecido. Ele estava em busca do sistema de mísseis russo Buk.
Bellingcat, nome real Elliot Higgins, junto de sua equipe, vasculhou centenas de fotos postadas no Facebook, no YouTube e no Twitter, avaliando a localização exata de cada uma. Fotos das armas em questão foram postadas nas redes coais e rastreadas até o local do incidente com o avião no dia em que aconteceu. Um dia depois, um Buk foi visto com um míssil a menos.
Higgins concluiu que havia “provas inegáveis de que os separatistas da Ucrânia estavam de posse de um lançador de mísseis Buk”, com quase certeza fornecido pelo exército russo. A alegação é até hoje fortemente criticada pelo Kremlin.
Sanções “olho por olho”
Alarmado pela impunidade da Rússia nos acontecimentos na Ucrânia, o Ocidente logo se mexeu para impor sanções. Os bancos perderam acesso a empréstimos da Europa, acordos armamentistas foram congelados e petrolíferas viraram alvos. Com a economia russa debilitada, o Ocidente foi direto na jugular.
Irritada com as penas “agressivas” e injustificadas, a Rússia contra-atacou, proibindo a importação de alimentos ocidentais, incluindo leite, laticínios, carne e peixe. “Fomos obrigados”, insistiu o primeiro-ministro Dmitri Medvedev. Enquanto isso, fãs de parmesão aceitaram o fato de que teriam de recorrer ao mercado negro para adquirir o queijo favorito. Importações ocidentais como McDonald’s – que chegou à Rússia no fim da União Soviética – foram alvo de forte escrutínio.
O Kremlin, por sua vez, aproveitou para promover o orgulho do hortifruti que a “mãe Rússia” tinha a oferecer. Um ano depois, o governo comemorou atacando com retroescavadeiras uma montanha de queijo contrabandeado, mas há notícias que sugerem que o impacto das sanções começou a ser sentido.
A fronteira da informação
Se o conflito por território, a barganha de espiões, as sanções “olho por olho” e a guerra por procuração são conceitos familiares para quem estuda a Guerra Fria, a batalha pela informação também deve ser reconhecida.
O jornal oficial da União Soviética – Pravda, que significa “verdade” – zombava dos inimigos por não terem nada do tipo. Avançando 25 anos no tempo, Putin quase expulsa a mídia independente do país, enquanto a máquina de propaganda do Kremlin, o RT (ex-Russia Today), se expande pelo mundo – e alega ter 700 milhões de espectadores em mais de 100 países.
Quando o líder da oposição Boris Nemtsov foi morto a poucos passos do Kremlin, em fevereiro, o veículo deixou logo clara a sua linha editorial. “Não é preciso dizer que isso é 100% provocação”, afirmou o principal âncora Dmitry Peskov. Ele só poderia querer dizer uma coisa, escreveu a revista Time: que o assassinato havia sido “executado por inimigos da Rússia, não para silenciar a vítima, mas para difamar o regime ao qual ele se opunha”.
As primeiras notícias sobre o voo MH17 foram igualmente polêmicas, ao priorizar o relato duvidoso de uma testemunha que culpava a Ucrânia. Para uma jornalista, aquilo foi demais, e ela pediu demissão. De forma dramática.
“Sou a favor da verdade”, escreveu Sara Firth no Twitter. Mais tarde, ela contou ao The Guardian: “A desinformação era chocante e chegou a um ponto que eu não conseguia mais defender.”
A ascensão do exército de trolls
Quando Putin fundou o RT em 2005, jornalistas de oposição começaram a ser pressionados e demitidos, e muitos buscaram na Internet – plataforma que não estava disponível para dissidentes soviéticos – a liberdade para escrever sobre política.
De repente, começaram a surgir vagas em “pesquisa na internet” em quadros de emprego por São Petersburgo, e o número de comentários em blogs contrários ao governo se multiplicou exponencialmente.
Os trolls se transformassem em justiceiros e atacassem manifestantes no comício da oposição em Moscou
7 de maio de 2016
Um protesto terminou em violência no fim de semana, depois que um grupo de trolls de internet saiu da realidade virtual para atrapalhar um comício no centro de Moscou.
Eles atiraram objetos no público de mil pessoas que se reunira para marcar o quarto aniversário dos “protestos de 6 de maior” contra o novo mandato de Vladimir Putin. Muitos dos líderes continuam presos.
A polícia interveio, mas apenas depois que 10 pessoas feridas já tinham sido levadas para o hospital. Nenhuma corria risco de morrer.
Um transeunte que não quis se identificar disse ter ouvido que o grupo de agressores recebeu dinheiro dos empregadores na Agência de Pesquisas na Internet para ir a São Petersburgo. Uma empresa acusada de cultivar “fábricas de trolls”.
Em 2014, documentos vazados pelo Anonymous International apontaram uma campanha orquestrada para influenciar na internet a opinião positiva sobre o governo. Grupos de juventude pró-Kremlin, que já tinham trabalhado em campanhas anteriores em campo, logo preencheram as vagas.
Putin concorrerá a um quarto mandato em 2018 com níveis de popularidade recorde, enquanto críticos afirmam que ele está lentamente fechando o cerco em torno da liberdade política para se manter no cargo.
A ascensão do exército de trolls
(contínuo)
A Agência de Pesquisas na Internet, empresa administrada por um camarada do Kremlin, estava coordenando um exército de trolls pró-Putin para atacar grandes sites de notícias ocidentais. O Anonymous International era uma mosca na sopa do governo russo, que, a essa altura, já fazia de tudo para controlar sua imagem interna e internacional.
O grupo expôs detalhes políticos desagradáveis sobre a pretensão do governo de orquestrar um comício de “apoio público”, noticiou o Meduza, e constrangeu Medvedev, hackeando a conta do primeiro-ministro no Twitter e anunciando aos seus 2,5 milhões de seguidores: “Renuncio. Tenho vergonha das ações desse governo. Perdão.” “Vou virar fotógrafo independente. Faz um tempo que tenho esse sonho”, acrescentou o perfil, sem o conhecimento do chefe de governo russo, que estava na Crimeia com Putin na ocasião.
Um porta-voz do grupo, também conhecido como Shaltai Boltai (que significa Humpty Dumpty) também disse ao Meduza que as ações tinham a intenção de desafiar diretamente as “restrições à liberdade de expressão na internet e a política internacional agressiva da Rússia”.
Hackers pró-Putin prometessem um ataque iminente após comprometerem arquivos do serviço secreto britânico M16
Um grupo anônimo de hackers que alega afiliação ao Kremlin prometeu um grande ciberataque contra a capital do Reino Unido, após obter uma “grande quantidade de dados” da agência de inteligência GCHQ.
Os hackers, conhecidos como e-nashi, disseram estar indignados com os “níveis inaceitáveis” de vigilância que o M16 estava conduzindo contra cidadãos russos em Londres e prometeu uma retaliação em grande escala.
A mensagem foi entregue, e incluiu o site e as contas nas redes sociais da prefeitura londrina. Por 10 minutos hoje de manhã, os usuários do london.gov.uk se depararam com um recado, escrito em Comic Sans: “não fique à vontade”. Também enviaram mensagens pelas contas no Twitter @londonassembly, @mayoroflondon e @LDN_gov.
Mais tarde, uma ameaça foi enviada por e-mail para cada membro da Assembleia de Londres.
O chefe do MI6, Alex Younger, já havia afirmado anteriormente que o Reino Unido estava envolvido em uma “corrida armamentista” pós-Snowden, num cenário em que as pessoas utilizam a tecnologia para espionar os serviços de segurança. “Nossos inimigos incluem terroristas, agentes maliciosos no ciberespaço e criminosos”, acrescentou.
A prefeitura de Londres alertou que “quanto mais dependentes nos tornamos da tecnologia na vida cotidiana, maior o impacto de problemas acidentais ou deliberados nos sistemas tecnológicos”.
O governo temia a possibilidade de um ataque aos serviços de comunicação, transporte e emergência. Combinado com um atentado terrorista, o impacto na capital britânica seria devastador.
Havia o receio de que a cerimônia de abertura das Olimpíadas 2012 fosse um alvo, mas a suspeita não se confirmou.
Estima-se que existam 150 mil russos expatriados em Londres. Alguns são exilados políticos, outros se mudaram depois do início do conflito no leste da Ucrânia. Há também aqueles suspeitos de trabalhar para a FSB (ex-KGB) ainda ativa no Reino Unido.
Os mais afluentes entre eles apareceram recentemente no programa da BBC Rich, Russian and Living in London (“Ricos, Russos e Morando em Londres”, em tradução livre). A Fox TV também produziu o reality show Meet the Russians (“Conheça os Russos”).
O paradoxo Snowden
Enquanto a Rússia controla ainda mais a liberdade de expressão com seus maiores defensores, Edward Snowden pedia asilo político.
Foi em 2013. O ex-funcionário da NSA tinha acabado de denunciar o maior vasculhamento em massa das últimas décadas. Feito pelo governo norte-americano contra sua própria população.
Estender a mão amiga ao “inimigo número um” dos Estados Unidos traria vantagens óbvias para Putin – e Snowden, às vezes, parecia disposto assumir o papel de marionete.
Ele foi usado no discurso de Putin para (membros pré-selecionados da) nação para apresentar uma questão sobre a vigilância. Snowden foi acusado de ser uma planta, só amaciando as engrenagens da máquina de propaganda, mas insistiu que suas intenções eram as mais nobres.
Andrei Soldatov e Irina Borogan, que estudaram a Web Vermelha desde seus primórdios, vão além e afirmam que a presença de Snowden deu a Putin o ímpeto de expandir o programa de vigilância do Kremlin, em uma verdadeira antítese do que diz defender.
Nos anos 2000, aumentou a frustração do governo russo com o armazenamento de informações do Facebook, do Google e do Twitter – plataformas que ainda garantem relativa liberdade de expressão – em servidores fora da Rússia. Servidores esses, Snowden mais tarde viria a revelar, que estavam sendo monitorados pelo governo norte-americano com minúcia sem precedentes. Foi uma “situação intolerável” para Putin, afirmam.
Quanto a Snowden, ele falou abertamente contra as intenções de seu anfitrião (e o ambiente hostil para a comunidade gay). “Não quero morar aqui”, afirmou em um vídeo para a Noruega no início do mês depois de ganhar um prêmio de liberdade de expressão, “mas exílio é exílio”.
Edward Snowden fosse detido pela Rússia com alegações de ser “agente duplo”
Setembro 2016
A mídia estatal russa afirmou que Edward Snowden estava sendo questionado por alegações de que poderia ser um “agente de espionagem duplo ou triplo”.
Snowden, 32 anos, ficará detido pela justiça russa por duas semanas, com base em provas reunidas através da inteligência estatal, segundo a Interfax. Não há informações sobre para qual agência ou agências do governo ele é acusado de trabalhar, mas especula-se que seja para EUA e China.
Snowden será transferido para a mesma penitenciária onde as manifestantes do Pussy Riot ficaram detidas depois do famigerado protesto na Catedral de São Basílio, em Moscou.
A pena pelo crime de espionagem é de 20 anos de prisão pela legislação russa, mas se as alegações forem verdadeiras, o destino de um detento de tão alto calibre com certeza terá participação do alto escalão diplomático – mesmo que a portas fechadas.
O governo norte-americano ainda não comentou a prisão.
Grupos de campanha que trabalharam com Snowden afirmaram ter certeza de que as acusações são infundadas e que ele seria liberado em breve. O ex-funcionário da CIA já ganhou inúmeros prêmios por defender a liberdade de expressão desde que denunciou a agência em que trabalhava.
A duvidosa Fox News questionou se os Estados Unidos estavam sendo “vítimas de armação” quando Snowden fez as primeiras denúncias em um refúgio em Hong Kong. O veículo norte-americano não acreditava nos níveis sem precedentes de informação aos quais o funcionário de baixo escalão da CIA afirmava ter acesso.
O canal de direita também destacou que era conveniente o fato de que as revelações sobre a NSA ofuscaram a notícia de que a China estava espionando o governo norte-americano. As relações diplomáticas entre os dois países estavam abaladas e Snowden, concluiu a Fox News, estava controlando o “ápice”.
Em setembro, Snowden afirmou que, em um mundo ideal, ele moraria nos Estados Unidos, mas as acusações contra ele o impedem de voltar. Se Moscou é um refúgio seguro só o tempo dirá.